domingo, 15 de junho de 2025

Quando o Mar se Fecha, a Coragem se Abre

 


Uma lição de resiliência de um enfermeiro da Marinha Mercante brasileira
Em pleno início dos anos 1990, o Brasil ainda tentava entender o turbilhão de mudanças provocadas pelo governo Collor de Mello. Congelamento de contas, inflação galopante, empresas quebrando — e, para quem trabalhava embarcado, um golpe que quase ninguém previa: o fim da nossa Marinha Mercante tal como a conhecíamos.
Foi nesse cenário que um enfermeiro embarcado viu o seu navio ficar retido em um porto turco. A companhia faliu de um dia para o outro, deixou a tripulação sem salário e, para completar, as grandes empresas de navegação abandonaram a bandeira brasileira para registrar seus navios no Líbano, no Panamá… até gigantes como Vale e Petrobras trocaram de cores. O que fazer quando o chão vira água gelada e nada mais parece firme?
A angústia de chegar em terra firme… sem firmeza nenhuma
De volta ao Rio, a realidade era dura: esposa, uma filha pequena, zero salário e a dispensa quase vazia. Contas vencendo, leite faltando, e a pergunta que ecoava na cabeça: “Como é que eu coloco comida na mesa esta semana?”
Mas quem aprendeu a salvar vidas em alto-mar costuma ter sangue frio na crise. Abrindo a carteira, o enfermeiro juntou as moedinhas que restavam e traçou um plano simples:
Investir no que cabia no bolso — uma garrafa de cachaça Praianinha, copinhos descartáveis.
Apostar no que ele sabia fazer de melhor — cuidar das pessoas. Dessa vez, seria por meio de um caldinho de feijão quentinho, daqueles que abraçam por dentro.
Ir onde a fome e a noite se encontram — Copacabana, mais precisamente o posto de gasolina na Avenida Atlântica, ponto certo dos “frenéticas” (motoristas, taxistas, boêmios de plantão) e porteiros virando turno.
A primeira noite do caldinho
Na cozinha apertada do apartamento na Urca, o feijão chiava na panela. Temperinho caprichado, garrafa térmica cheia, copos e Praianinha a postos. Já passava das dez quando ele chegou ao posto. Foi abordando um a um, sorriso no rosto, voz firme:
“Amigo, caldinho quentinho pra espantar o sereno, vem com uma dose de Praianinha — paga o que achar justo.”
Meia hora depois, não havia uma gota de caldo, nem cachaça, nem copo restante. O enfermeiro guardou o dinheiro, correu para o mercadinho 24 h na Rua Santa Clara e voltou para casa com latas de leite e uma sacola de compras. Pela primeira vez desde o naufrágio financeiro, dormiu tranquilo.
Fazendo das pequenas vitórias um farol
Na noite seguinte, repetiu a dose. E mais outra. Em pouco tempo, o “Caldinho do Marinheiro” virou ponto certo dos notívagos de Copacabana. Não ficou rico, mas manteve a família de pé até encontrar emprego fixo de novo. Mais que isso: descobriu uma verdade que o acompanharia para sempre.
“Quem quer, faz — e não passa fome.”
Três lições que seu caldinho pode ensinar a qualquer um de nós
Agir antes que o medo paralise
A maioria espera o “plano perfeito”. Ele pegou o que tinha na mão e saiu de casa naquela mesma noite. A ação rápida evita que a ansiedade vire âncora.
Usar habilidades transferíveis
Se no navio ele cuidava de tripulantes com escorbuto e ferimentos, em terra cuidou de desconhecidos, oferecendo conforto líquido e quente. Valorize o que você já sabe fazer — a forma muda, a essência permanece.


• Servir primeiro, receber depois
Ele não impôs preço; deixou que o cliente definisse o valor. O retorno financeiro veio, mas, antes dele, veio o reconhecimento humano. E reconhecimento abre portas.
Navegando em mares revoltos hoje
Talvez você não esteja preso em um porto turco, mas quem nunca enfrentou crise, desemprego ou mudança brusca? Quando o vento vira contra, lembre-se do enfermeiro que trocou o jaleco pelo tacho de feijão:
Identifique o recurso que você tem à mão — pode ser um talento, um contato, uma ideia simples.
Coloque-o a serviço de alguém que precise — o valor vem na esteira do impacto.
Celebre cada venda, cada pequena vitória — elas são bóias que mantêm você à tona até a maré melhorar.
Seja no convés ou no asfalto de Copacabana, a coragem segue a mesma rota: começa com um passo, por menor que seja, rumo ao desconhecido.
Afinal, mar calmo nunca fez bom marinheiro, mas caldinho quente faz herói anônimo virar inspiração.


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