sexta-feira, 8 de agosto de 2025

“O Repórter Anônimo da Praça Onze

 



Se você acha que sua família é diferente, é porque nunca conheceu meu avô Raul. Azedo de sobrenome, ficou cego aos 36 anos antes disso segundo minha prima Virgínia tocava terror em Recife ( onde meu bisavô que era o médico dos pobres  cortava um dobrado com as travessuras do jovem adolescente ,essa e outra história) e cozinheiro de mão cheia — especialmente quando o assunto era feijoada. Agora, antes que você pergunte, sim, ele morava sozinho. Quer dizer... sozinho não. Ele dividia o casarão da Praça Onze de Julho, número 9, na esquina com a Rua de Santana, com um casal de periquitos barulhentos e uma “secretária” chamada Terezinha — que a gente nunca soube bem se era gente, lenda ou oba-oba do velho.
E se você pensa que ele era aposentado, engano seu. Meu avô era um verdadeiro correspondente de guerra da vida urbana: seu telefone vivia mais ocupado que central de fofoca, e ele relatava tudo diretamente para a redação de dois jornais ali do lado — O Globo e o Luta Democrática. Não tinha acontecimento na vizinhança que escapasse do “repórter anônimo” — como ele era conhecido nas redações da Rua Irineu Marinho e da Presidente Vargas. Diz a lenda que o velho ligava tanto, mas tanto, que um dia o telefone começou a dar ocupado... antes mesmo de ele discar.
Mas o auge do ano era quando a Praça Onze se transformava no nosso camarote VIP para o Carnaval e o desfile de 7 de Setembro. Enquanto a galera se espremia nas calçadas, a gente ficava de camarote na janela, comendo feijoada (que não era só maravilhosa, era praticamente patrimônio histórico) e ouvindo o vô Raul comentar o desfile como se fosse jurado oficial. Spoiler: ninguém nunca ganhava nota 10 dele.
Ah, e a Praça Onze não era só palco de festa. Era também nosso porto seguro na pindaíba. Se alguém da família entrava em apuros (o famoso “ficar na roça”), adivinha onde ia parar? Isso mesmo. Lá, na casa do vô Raul — que, com seu paletó xadrez e a gaiola dos periquitos, às vezes aparecia também de surpresa lá em casa, na Urca. Mas... essa é outra história.
Pr.Ricardo Solano

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